sexta-feira, 29 de maio de 2015

Desvendando o arco-íris

      
Todos os charmes não se vão      
Ao simples toque da fria filosofia?
Houve um arco-íris terrível uma vez no céu:
Sabemos de sua trama, sua textura; ele é dado
No catálogo tedioso das coisas comuns.
A filosofia vai cortar as asas de um anjo,
Conquistar todos os mistérios um por um,
Esvaziar o ar assombrado, desfazer o encantamento e 
Desvendar um arco-íris, como acabou de fazer
O delicado Lamia em pessoa desfeito numa sombra. 

Em 1998, o renomado biólogo evolucionista e escritor Richard Dawkins publicou um livro, cujo título, Desvendando o arco-íris, foi inspirado na passagem acima de Lamia, narrativa do poeta inglês John Keats (1795-1821) - uma parte reproduzida acima, com livre tradução minha. A referência explícita de Dawkins ao poema é, na verdade, uma tentativa de demonstrar que Keats equivocara-se com relação à "fria filosofia": para Dawkins a ciência revela, e não destrói, as belezas da natureza. Com efeito, a ciência eleva o nosso pensamento para as explicações racionais dos fenômenos naturais, rejeitando os mitos e as crendices - como o de achar que há um pote de ouro no "final" do arco-íris!

Vamos, na postagem deste mês sobre o Ano Internacional da Luz, desvendar, não somente o arco-íris, mas, também, um pouco da estrutura e da percepção que temos acerca das cores. Admitimos, inicialmente, que as cores são manifestações do sentido da visão, à incidência nos olhos, de luz com diferentes comprimentos de onda (ou de suas combinações). Em última análise, as cores não possuem realidade física, mas são interpretações do cérebro - inventadas e moldadas nos animais pela evolução biológica - à captação de luz de variadas frequências.


Capa do disco "The dark side of the moon", Pink Floyd (1973).
A teoria mais antiga que se tem notícia para as cores é devida a Aristóteles. Em sua época, o filósofo grego afirmava o contrário: que a cor seria uma propriedade intrínseca dos objetos, assim como seus formato e peso. Segundo a sua teoria, ao incidir sobre os objetos, a luz retiraria pequenos pedaços de sua camada superficial, trazendo-os até os olhos para dar-nos, assim, a sensação da visão. Entretanto, Aristóteles não explicou possíveis efeitos, como um suposto desgaste que a luz causaria nos objetos com o passar do tempo. Ademais, diferentemente da tese de Aristóteles, as cores não estão nos objetos. Tão-somente correspondem aos comprimentos de onda refletidos por eles, por exemplo: se luz branca (a soma de todas as cores) incidir sobre a superfície de um objeto com capacidade de absorver a maioria das frequências menos o vermelho, ele será visto como vermelho.

O espectro visível e o arco-íris


Sabemos que o espectro de luz visível varia continuamente desde o vermelho até o violeta. Mas ele foi dividido em sete faixas de cores, cujos limites são estabelecidos arbitrariamente. De acordo com o Dicionário de Ciência de Oxford, as faixas de cores do espectro visível são:
    CorComprimento de ondaFrequência
    vermelho~ 620-740 nm~ 483-405 THz
    laranja~ 585-620 nm~ 512-483 THz
    amarelo~ 575-585 nm~ 521-512 THz
    verde~ 500-575 nm~ 599-521 THz
    azul~ 445-500 nm~ 673-599 THz
    anil~ 425-445 nm~ 705-673 THz
    violeta~ 390-425 nm~ 768-705 THz
A luz infravermelha possui comprimentos de onda maiores que ~ 740 nm e a luz ultravioleta possui comprimentos de onda menores que ~ 390 nm. E misturas de luzes a partir dessas cores básicas produzem todas as cores que percebemos no dia-a-dia, por exemplo: o marrom é a mistura do vermelho com o verde, o roxo é a mistura do anil com o vermelho, etc.

Experimentum crucis de Newton (1672).
Vimos numa postagem anterior o experimento crucial de Newton, que evidenciou a superposição das cores na luz branca. Newton fez incidir a luz solar em um prisma de vidro para, primeiro, decompô-la nas diferentes cores do espectro visível, isto é, gerando a dispersão da luz branca. Depois, selecionando uma parte (cor) da luz, com um segundo prisma, notou que não havia mais dispersão. Finalmente, invertendo o segundo prisma - e com o auxílio de uma lente - recombinou as cores para formar novamente o branco. Newton relatou a decomposição da cor branca em sete cores. (Diga-se de passagem que Newton foi um estudioso de ciências ocultas, como a alquimia; então, ele, arbitrariamente, enxergou sete cores no espectro visível - dado que o número sete sempre teve seus atributos místicos. Conforme veremos, esta percepção varia de pessoa a pessoa - eu mesmo, vejo seis cores no arco-íris!)

O espectro visível da luz.
E, a propósito do arco-íris, devemos desvendá-lo! Foi citado em uma postagem anterior, um cálculo que Descartes havia feito para o ângulo entre a direção antissolar (para onde vão os raios do Sol) e a do topo de um arco-íris, obtendo valor de 42°. Muito bem, primeiramente, vamos lembrar que, em condições adequadas, é possível avistar mais do que um arco-íris. O primário (o que é interno, mais intenso e mais próximo do horizonte) tem a faixa de cor vermelha acima e a faixa de cor violeta abaixo das outras. Em seguida, recordemos que os arcos-íris são vistos quando estamos de costas para o Sol, observando um céu chuvoso. Assim, a luz proveniente do Sol (uma fonte muito longínqua) chega até as gotas de chuva em um feixe aproximadamente paralelo. A luz deste feixe, incide nas gotas, refrata penetrando na água, reflete internamente e depois refrata novamente para o ar, viajando na direção dos olhos do observador (vide a figura abaixo). Levando-se em conta as leis da reflexão (i=r) e da refração (n1 sen i= n2 sen r), calcula-se o ângulo de desvio total sofrido por um raio qualquer, ou seja, o ângulo entre a direção antissolar e o observador (com vértice na vizinhança exterior da gota): para o vermelho, o desvio é de 138°, então, o ângulo de visada (seu suplementar) é 42°. Agora, o índice de refração muda com a cor (nvioleta > nvermelho), então o ângulo de visada resulta em valores diferentes para cada uma delas: para o violeta este ângulo é de 40° e para as outras cores obtém-se valores intermediários.

A óptica do arco-íris.

Finalmente, é interessante notar dois pontos:
  1. a mesma teoria pode ser estendida para gotas mais elevadas e verificar-se que, de fato, há um arco secundário, com a sequência de cores invertidas, entre os ângulos de 52° e 54°. A faixa intermediária é conhecida como faixa escura de Alexandre, após Alexandre de Afrodísias  (~170 - 230 d.C.) descrevê-la por volta do ano 200;
  2. se o Sol elevar-se a mais de 42°, o arco-íris primário não poderá ser visto (a menos que estejamos observando-o de dentro de um avião). Esta é a razão pela qual os arcos-íris são vistos, usualmente, nos finais de tarde. (Em princípio, de manhã cedo também podem ser vistos, mas são mais raros, pois as chuvas pesadas são menos comuns.)  
Johann Wolfgang von Goethe.
Há um trabalho importante a ser citado: o livro Teoria das Cores, publicado em 1810, pelo poeta alemão Johann W. von Goethe (1749-1832). No seu livro, Goethe faz descrições detalhadas sobre fenômenos como a refração e as aberrações cromáticas. E concentrou-se mais nas maneiras de como a luz é percebida, fazendo um tratamento qualitativo. Mas criticou a teoria de Newton, objetando que ele havia estudado, meramente, um caso particular da dispersão. As sete cores do espectro de Newton são vistas simultaneamente somente se o anteparo permanecer a uma distância fixa do prisma. No entanto, se a distância do anteparo for alterada, a sequência de cores é alterada (vide figura abaixo).   
Observações de Goethe sobre o espectro obtido
a diferentes distâncias do prisma.
Mais ainda, Goethe notou que o limite entre a luz e a treva era dependente da orientação do eixo do prisma: se o branco estiver acima da faixa escura, a luz evanesce para o escuro com cores do azul ao violeta; se o branco estiver abaixo da faixa escura, a luz evanesce para o escuro com cores do amarelo ao vermelho (vide figura abaixo). Desta observação, Goethe concluiu que há duas maneiras de se produzir um espectro: ou com um feixe de luz numa sala escura ou com sombra numa sala iluminada. Em ambos os casos, ele encontrou que o amarelo e o azul ficam próximos ao limite da luz e o vermelho e o violeta ficam próximos ao limite do escuro. A uma dada distância esses limites se encontram e o espectro de Newton é obtido. Goethe formulou, também, a primeira versão da roda de cores, atribuindo-as qualidades estéticas e psicológicas: o vermelho era bonito, o laranja nobre, o amarelo bom, o verde útil, o azul comum e o violeta desnecessário.

Observação da região de evanescência,
dependente da orientação do prisma.


A percepção das cores 


Nós percebemos as cores em células especializadas da retina, chamadas, pelos seus formatos, de cones (vide figura abaixo). Essas células geram os impulsos elétricos que, quando transmitidos pelo nervo óptico ao cérebro, nos dão as sensações das cores. Assim, a visão humana é basicamente tricomática, já que os cones são em número de três e cada um é especializado numa faixa específica do espectro visível. Na figura abaixo (à direita), apresentamos também as respostas espectrais de cada um dos diferentes cones da retina humana.

À esquerda: células da retina (os cones estão pintados de vermelho, verde e azul). 
À direita: resposta espectral dos cones humanos (L = long, M = medium e S = short).

      Herman von Helmholtz                        Ewald Hering
Thomas Young foi o primeiro a sugerir, no ano de 1802, este mecanismo tricomático para a percepção das cores. Posteriormente, Hermann von Helmholtz (1812-1894), e também Maxwell - um dos grandes homenageados no Ano Internacional da Luz -, desenvolveram quantitativamente a ideia. Mas surgiu outra teoria, chamada de processo oponente, proposta por Ewald Hering (1834-1918), em 1892. Ele defendeu que o processo de percepção das cores se dá pelas das diferenças entre os sinais dos cones - note a forte intersecção entre as respostas espectrais dos cones L e M, seus sinais, desta forma, são muito parecidos. Hering introduziu a ideia de cores antagônicas, que nunca podem ser percebidas simultaneamente, por exemplo: não existe um vermelho-esverdeado ou um azul-amarelado. Hering e Helmoltz foram ferozes opositores um do outro, descordando em praticamente todos os assuntos, dos científicos aos filosóficos.

A gama de cores que percebemos no mundo são formadas, então, pela combinação, em diferentes intensidades, das cores primárias. Tradicionalmente, os sistemas de composição de cores utilizam-se de três cores primárias. Mas, ao tratar desses sistemas, devemos distinguir entre as cores obtidas aditivamente (luz) e as obtidas negativamente (pigmento). No primeiro caso, as cores se compõem para serem vistas em dispositivos que emitem luz, como televisores, monitores ou lanternas. Utiliza-se o sistema RGB, sigla para as correspondentes iniciais, em inglês, de vermelho (Red), verde (Green) e azul (Blue). No segundo caso, mancha-se uma superfície branca (ou sem pigmentação) com as cores ciano (Cyan), magenta (Magenta) e amarelo (Yellow), sendo o sistema, por isso, chamado de CMY. Este é o sistema empregado para se fazer as impressões em papel - e também o utilizado pelos pintores ou outros artistas plásticos. Assim, a depender do sistema, uma dada tríade de cores pode ser primária ou secundária - e a escolha de quais serão as primárias é, em última análise, arbitrária. Ademais, as cores primárias do sistema RGB são secundárias no CMY (e vice-versa), conforme observa-se na figura abaixo:

Misturas de cores: aditiva (à esquerda) e subtrativa (à direita).
Note que no sistema aditivo a soma de todas as cores forma o branco e no subtrativo o preto. A propósito, a indústria gráfica utiliza ainda o preto (BlacK) como uma quarta cor, sendo, neste caso, o sistema denominado de CMYK. Pode-se definir, ainda, as cores terciárias, como as composições de uma cor primária com uma secundária: o rosa, o oliva e a turquesa estão nesta categoria.

As cores são ditas complementares, se quando misturadas resultam em branco, preto, ou alguma graduação de cinza. São cores que oferecem contraste entre si. Toda cor primária, possui uma secundária como complementar e vice-versa (vide as figuras abaixo e acima).

Cores complementares.
Você já deve ter feito um experimento de olhar fixamente para uma imagem e, após um certo tempo, olhar para uma parede ou papel de fundo branco. O experimento tem como resultado a formação na retina de uma imagem com as correspondentes cores negativas (ou complementares). Se ainda não fez, pode fazê-lo agora:

Olhe fixamente para esta bandeira (sem piscar o olho por, pelo
menos, 20 segundos) e depois olhe para um fundo branco.
Este efeito ocorre devido aos cones ficarem saturados com a exposição continuada às cores da figura, percebendo-as com menos nitidez e, por conseguinte, passam a detectar as cores complementares - presentes no branco - com mais facilidade. 

Maxwell, na década de 1860, explorou o uso das três cores primárias, tendo notado que o conjunto das cores primárias não era único. Ele descobriu, ainda, que se fossem tomadas cores primárias mais separadas em comprimento de onda entre si, a gama de cores produzidas era maior. Com seus estudos, Maxwell lançou as bases da moderna colorimetria. Há três atributos básicos utilizados na colorimetria para se fazer a quantificação das cores:
  1. matiz que depende do comprimento de onda dominante no espectro;
  2. saturação (ou largura espectral): se for estreita a cor é de alta saturação e bem definida; se for larga é de baixa saturação e a cor desvia-se pouco do branco;
  3. brilho (ou luminosidade) que corresponde à intensidade da luz.

Daltonismo x Tetracromatismo


O daltonismo, também conhecido por discromatopsia, é uma anomalia caracterizada pela incapacidade de se distinguir todas ou algumas cores, sendo as mais comuns o vermelho e o verde. A anomalia foi estudada pela primeira vez pelo químico John Dalton (1766-1844), sendo ele mesmo seu portador. Assim, o nome "daltonismo" foi dado em sua homenagem. O problema é causado pela perda de função, menor número ou ausência total de alguns dos cones responsáveis pela percepção de uma dada cor. Desta forma, a pessoa tem dificuldade de diferenciar esta cor e todas as suas misturas, repercutindo em todo o espectro. A origem da anomalia é genética: é transmitida a partir da mãe por cromossomos X, porém, se manifesta com maior frequência nos homens (1 em cada 20 homens são daltônicos).

Visão normal (à esquerda) e visão de um daltônico (à direita).

Por outro lado, imaginava-se, até pouco tempo atrás, que as pessoas não-daltônicas percebessem as cores da mesma maneira. Se todos temos três cones com repostas espectrais parecidas, então, o meu, o seu, o vermelho ou o azul de qualquer um deveriam ser os mesmos. Só que não! Uma condição muito rara, conhecida como tetracromatismo pode ocorrer em algumas mulheres, sendo, novamente, transmitida geneticamente e pelo cromossomo X. Mas, neste caso, a anomalia vem no sentido de produzir um quarto cone com uma resposta espectral um pouco diferente dos três usuais.

Agora, cada cone nos fornece a capacidade de perceber uma centena de tons, então, a combinação de três cones leva-nos a 1 milhão de possíveis cores. Alguns animais, como por exemplo o camaleão, possuem, efetivamente, um quarto cone, podendo enxergar 100 milhões de cores. Outros, como as aves ou as borboletas, possuem cinco cones, sua visão pentacromática ultrapassa as 10 bilhões de cores. Outros possuem ainda mais; até o impressionante recorde da tamarutaca, com sua visão dodecacromática (de doze cones)! Sua capacidade (teórica) de percepção de cores chegaria à casa de 1021 combinações. Mas, calma! Pois, a capacidade de percepção das cores nos animais não depende somente da quantidade de cones diferentes que possuem, mas também do desenvolvimento do seus cérebros. E, certamente, o cérebro de uma tamarutaca é bem menor que o nosso.

Tamarutaca: crustáceo que possui doze cones na retina.

Voltemos, agora, às mulheres tetracromatas. Nós homens sempre procuramos compreender porque elas são tão exigentes com as combinação de cores. (E eu estou finalmente entendendo a razão de eu discutir com a minha esposa sobre uma determinada toalha lá em casa, que ela insiste em me dizer que é verde-azulada, enquanto eu tenho certeza que é azul-esverdeada!) Mas, numa pesquisa recente, conduzida pela cientista Kimberly Jameson, da Universidade da Califórnia, foram reportados casos de mulheres com tetracromatismo. Inclusive o de uma jornalista americana, Maureen Seaberg, que passou a vida toda reclamando de suas roupas que não combinavam e confundindo seus arquitetos e decoradores: ela chegou a rejeitar 32 tons de tintas numa reforma de sua casa. Uma imagem que "bombou" recentemente nas redes sociais foi a da figura abaixo: através dela o leitor pode fazer seu próprio teste de policromatismo, contando quantos tons distintos pode perceber. O tricomatra percebe entre 20 e 32 cores, se você enxergar menos de 20 cores, é possível que seja daltônico. Se enxergar mais de 32, será tetracromata!

Teste de policromatismo: o tricromata percebe entre 20 e 32 cores.

Bem, preciso encerrar esse assunto colorido. Agradeço sua atenção. E, depois de dizer tudo isso, partiu comprar o meu livro de colorir!


2 comentários:

Alexandre Medeiros disse...

Ótimo texto Marcelo. Linguagem direta. Parabéns.

Fernando Lang da Silveira - Instituto de Física - UFRGS disse...

Parabéns pelo texto!

No site Pergunte ao Centro de Referência para o Ensino do IF-UFRGS há diversas questões respondidas que versam sobre a Teoria das Cores. Eis alguns endereços:

http://www.if.ufrgs.br/cref/?area=questions&id=695
http://www.if.ufrgs.br/cref/?area=questions&id=496
http://www.if.ufrgs.br/cref/?area=questions&id=133
http://www.if.ufrgs.br/cref/?area=questions&id=387
http://www.if.ufrgs.br/cref/?area=questions&id=440

Att.
Prof. Fernando Lang da Silveira
www.if.ufrgs.br/~lang/