sábado, 28 de fevereiro de 2015

Do éter à relatividade

Vimos, na primeira postagem da série, alguns dos personagens que fizeram importantes descobertas relacionadas com a luz.  Partimos dos primórdios, passando por Alhazen, e fomos  até Maxwell, que descobriu teoricamente a existência das ondas eletromagnéticas e identificou a luz como uma de suas formas. Para homenagear os 1000 anos da publicação dos livros de Alhazen e os 150 anos dos trabalhos de Maxwell, a UNESCO escolheu 2015 como o "Ano Internacional da Luz".

Alguns assuntos, entretanto, foram citados en passant na discussão que fiz, como, por exemplo, o conceito do éter, o meio no qual a luz deveria se propagar. Ondas são distribuições que transmitem a energia de uma perturbação, sem levar consigo o meio por onde se deslocam. Ora,  concluímos, então, que as ondas necessitam de um meio para se propagarem, correto? Sim, pelo menos, é assim na maioria dos casos: o som propaga-se no ar, ondas elásticas propagam-se em cordas, ondas sísmicas propagam-se no solo, etc. Portanto, é natural pensar que a luz, sendo encarada como um tipo de onda, necessite de um meio para se propagar. Postulou-se que o éter seria este meio.

Aristóteles introduz, no século IV a.C., o éter como um quinto elemento, ao lado dos elementos empedoclianos: água, terra, fogo e ar. Enquanto estes eram os responsáveis pela composição de todas as substâncias terrestres, o éter era uma camada de "ar superior" que constituiria a matéria dos corpos celestes. No seu livro Física, ele descreve a luz como uma perturbação no éter, atribuindo a ela natureza ondulatória. 

Vinte e um séculos depois, René Descartes (1596-1650) retorna ao tema em seu livro Traté du monde et de la lumière (1633), onde defende a existência de um meio muito rarefeito por onde a luz propagar-se-ia. Ele denomina este meio de éter luminífero (portador da luz). Descartes rejeitava a existência do vácuo e imaginava o espaço plenamente ocupado pelo éter. Como era de praxe em sua época, acreditava que a velocidade da luz fosse infinita, isto é, a luz viajaria instantaneamente desde os corpos iluminados até nossos olhos. Robert Hooke (1635-1706) compartilhava das ideias de Descartes, mas enquanto este imaginava que a luz fosse consequência de variações de pressões no éter, Hooke, em sua publicação Micrographia (1665), propôs pequenas vibrações para a geração da luz, além de introduzir o conceito de frente de onda . Doze anos depois, Huygens publica sua obra Traté de la lumière (1690), utilizando-se das ideias de Descartes e de Hooke, mas vai além, propondo um mecanismo --- o princípio de Huygens --- para o desenvolvimento da frente de onda: cada ponto de uma frente de onda produz vibrações que funcionam como novas fontes puntuais para a onda.

O princípio de Huygens (1690).


Já Newton contrapunha-se à hipótese ondulatória. Em seu livro Optiks (1704), teorizou um modelo corpuscular para a luz: a luz seria formada por uma quantidade muito grande de pequeníssimas partículas que pulavam dos corpos iluminados. Com sua teoria, pôde dar explicações para fenômenos como a reflexão, a refração e a formação de sombras, mas teve dificuldades para explicar a difração, sendo forçado a postular um "fator de correção" devido a um meio etéreo, responsabilizando-o pelo efeito. 

O triunfo da teoria ondulatória


O século XIX foi conclusivo para a teoria ondulatória da luz: iniciou-se com o experimento da dupla fenda de Young (1801), chegou ao ápice com a dedução das ondas eletromagnéticas por Maxwell (1873) e terminou com a detecção destas ondas por Hertz (1888). Ademais, uma grande diversidade de estudos e experimentos corroboraram a hipótese ondulatória. Young percebeu que a teoria corpuscular de Newton tinha problemas com relação à interferência: os corpúsculos muito próximos do ponto de emissão deveriam interferir entre si; e que não produzia uma boa explicação para o fenômeno da reflexão total, ao contrário da teoria ondulatória. Young produzira também uma explicação, em termos da teoria ondulatória, para a aberração estelar descoberta por Bradley, assumindo que o éter estivesse em repouso absoluto, ou seja, o éter forneceria um referencial absoluto no qual a luz viaja sempre com a mesma velocidade no vácuo.

Experimento de Young da fenda dupla (1801).


Já sabia-se, no início do século XIX, que a luz viaja em materiais transparentes a uma velocidade menor que no vácuo (v = c / n, onde n é o índice de refração). Em 1810, o francês François Arago (1786-1853) realizou um experimento com um prisma para medir a velocidade da luz vinda de estrelas a diferentes ângulos zenitais no céu. Para Bradley, defensor da hipótese corpuscular de Newton, raios de diferentes ângulos deveriam ter diferentes velocidades com relação ao prisma. Mas, Arago obteve, para esta afirmativa, um resultado nulo --- o primeiro de muitos ainda por vir. Seu conterrâneo Augustin-Jean Fresnel (1788-1827) adaptou e estendeu os resultados de Arago para a teoria ondulatória, supondo que o éter seria arrastado junto com o vidro do prisma, tal que a velocidade relativa entre o éter e o vidro fosse reduzida por um fator (1 - 1 / n2), o fator de arraste do éter. Em 1851, um outro cientista francês, Armand Fizeau (1819-1896) conduziu um experimento para medir o fator de arraste do éter, fazendo a luz passar pela água em movimento. Ele obteve franjas, devidas ao movimento da água, em perfeito acordo com a fórmula de Fresnel, mas nenhum efeito causado pelo movimento da Terra. Em 1871, George Airy (1801-1892) refez o experimento de Bradley com um tubo preenchido com água e também obteve resultado nulo.

Experimento de Fizeau (1851).


Chegando a 1873, temos a publicação do Treatise on Electricity and Magnetism, por Maxwell, onde são deduzidas as equações de onda para os campos eletromagnéticos. Maxwell verifica, também, que a velocidade da luz no vácuo depende apenas de duas constantes: a permissividade elétrica (ε0) e a permeabilidade magnética (μ0) do vácuo.

Velocidade da luz no vácuo pela teoria de Maxwell.

Maxwell sugere que a velocidade absoluta da Terra com relação ao éter poderia ser detectada opticamente. Quinze anos depois, em 1888, Hertz monta um emissor e um receptor de ondas eletromagnéticas, demonstrando, experimentalmente, a descoberta de Maxwell.

O interferômetro de Michelson e Morley


Em 1889, Albert Michelson (1852-1931) e Edward Morley (1838-1923) montaram um experimento para medir o vento do éter. O interferômetro de Michelson (1881) era utilizado para obter interferências entre feixes de luz que propagam-se por caminhos ópticos diferindo por distâncias ínfimas. Um feixe de luz incide sobre um espelho semi-transparente. Cada um dos feixes segue, então, caminhos perpendiculares até espelhos que são posicionados no final de cada braço do interferômetro. A luz refletida em cada espelho volta ao espelho semi-transparente, onde os feixes sofrem interferência, produzindo um padrão de franjas.

O interferômetro de Michelson (1881).


Ocorre que, se a Terra estiver em movimento com relação ao referencial do éter, digamos, com velocidade v com relação a um eixo horizontal, a velocidade da luz relativa ao interferômetro deverá ser corrigida por c-v ou c+v, respectivamente, durante a ida ou a volta até o espelho à direita. Enquanto isso, luz que propaga-se pelo braço vertical deverá seguir as hipotenusas de dois triângulos, durante a ida e volta até o espelho acima. Pode-se calcular que os tempos de chegada dos pulsos vertical e horizontal diferem por um fator, conhecido como fator de Lorentz:

O fator gama de Lorentz.

Porém, não se sabe qual braço do interferômetro move-se paralelamente ou perpendicularmente ao éter. Michelson e Morley montaram o experimento sobre uma mesa com grande estabilidade, de maneira que ela poderia ser rodada, sem perda dos alinhamentos ópticos. Então, ao girar o interferômetro de 90°, eles inverteriam as configurações, fazendo o braço paralelo tornar-se o perpendicular e vice-versa. E tal rotação produziria um deslocamento nas franjas. O dileto leitor pode advinhar qual foi o resultado obtido para o deslocamento das franjas? Zero! Tanto quando o interferômetro era rodado, quanto quando o experimento era repetido em diferentes posições da Terra em sua órbita.

O experimento de Michelson e Morley (1889).


O éter era etéreo demais, recusando-se a manifestar-se. Vários cientistas procuraram salvar o éter, fornecendo explicações para o resultado nulo de Michelson e Morley. Em 1889, George Fitzgerald (1851-1901) propôs uma contração de γ no comprimento do braço do interferômetro paralelo ao movimento do éter, de tal maneira a compensar as diferenças de caminho percorrido. Em 1895, independentemente, Hendrik Lorentz (1853-1928) sugere também uma contração de γ no braço do interferômetro e, em 1904, propõe uma teoria para os elétrons em movimento, dizendo que haveria um aumento efetivo nas forças entre eles que geraria a contração. Mas, não abandonou o conceito do éter.

É interessante notar, ainda, que as equações de Maxwell não conservam sua forma sob transformações de Galileu entre referenciais inerciais, desrespeitando o princípio da relatividade. Em 1905, Henri Poincaré (1854-1912) provou que as transformações de Lorentz mantêm a forma das equações de Maxwell nestas mudanças de referenciais.

As transformações de Lorentz.

A teoria da relatividade


Em 1905, Albert Einsiten (1879-1955), em seu annus milabilis, produziu uma série de artigos seminais, dentre os quais, Eletrodinâmica de Corpos em Movimento, onde estabelece as bases para a teoria especial da relatividade, formulando-a através de dois postulados:

Postulado 1: As leis da física são as mesmas em todos os referenciais inerciais;

Postulado 2: A velocidade da luz no vácuo é sempre a mesma e independe do movimento relativo entre a fonte e o observador.

Em seu trabalho, Einstein percebeu que o espaço e o tempo se alteravam sob as transformações de Lorentz, demonstrando a contração do espaço e a dilatação do tempo, desde que a velocidade da luz fosse a grandeza invariante em todos os referenciais inercias. E ele descreveu o éter como supérfluo.

Dilatação do espaço e contração do tempo.


Einstein nos ensinou, ao pensar sobre a luz, que os nossos conceitos inatos de espaço e tempo invariantes estão equivocados e que a grandeza fundamental é uma velocidade: a velocidade da luz. Em 1985, o Comitê Internacional de Pesos e Medidas estabeleceu um valor exato para a velocidade da luz: c = 299.792.458 m/s; que é o utilizado até hoje e redefiniu o padrão para o metro em termos da velocidade da luz: 1 metro é a distância percorrida pela luz em c-1 segundos.

Na próxima postagem, vamos discutir como os estudos acerca da luz influenciaram o desenvolvimento da física quântica, a teoria que explica o comportamento dos átomos, moléculas e outras partículas submicroscópicas.