sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

2015: o Ano Internacional da Luz

A Organização Educacional, Científica e Cultural das Nações Unidas (UNESCO) proclamou 2015 como o Ano Internacional da Luz. É uma grande oportunidade para cientistas do mundo todo de dividirem seus conhecimentos com políticos, industriais, educadores, artistas ou com o público em geral, numa série de eventos que terão a luz e suas tecnologias como o centro do debate, no decorrer deste ano. As tecnologias que envolvem o uso de algum tipo de manifestação de luz estão diretamente ligadas às grandes inovações da atualidade: das lâmpadas aos lasers, das fibras ópticas às holografias, das TVs aos monitores de LED --- possível após a invenção do de luz azul, que foi recém-laureada com o prêmio Nobel de física. Além disso, a luz está no cerne de grandes questões científicas, como, por exemplo, os nossos conceitos acerca do espaço e do tempo. Pela teoria da relatividade, a velocidade da luz é uma constante universal, mas, para mantê-la constante, independentemente do movimento da fonte ou do observador, é necessário que reformulemos as maneiras de medir distâncias e tempos. Através da luz --- ou das ondas eletromagnéticas de uma forma mais ampla --- podemos sondar os confins do Universo, obter informações sobre estrelas ou galáxias, perceber como surgiu e evoluiu o cosmos e aprender sobre nossa ínfima dimensão nele. Por outro lado, da invenção do microscópio até o espalhamento de fótons de altas energias, é a luz que revela as propriedades de partículas cada vez menores: bactérias, vírus, moléculas, átomos, núcleos atômicos, etc; são iluminados em laboratórios com luz de comprimento de onda igualmente diminutos. Em 2015, comemora-se 1 milênio das primeiras publicações sobre a óptica, por Alhazen (Ibn Al-Haytham), e os 150 anos da teoria eletromagnética da luz, por James Clerk Maxwell. Vamos rememorar alguns personagens iluminados dessa história.

Uma história luminosa

Nossos ancestrais, assim como nós, tinham suas vidas ditadas diariamente pelo ciclo da luz. A alternância evidente entre a presença e a ausência do Sol no céu gerava uma divisão clara entre o período de atividade e o de descanso, base de toda nossa percepção temporal --- o dia é a unidade básica dos calendários. A seleção natural fez com que prevalecessem, dentre todos os animais com a capacidade de visão, os que tivessem seus "sensores ópticos" capacitados para detectar as frequências mais disponíveis na Terra: as próximas ao máximo de emissão do Sol. Ao ser aquecido num forno siderúrgico, um metal brilha progressivamente do vermelho ao alaranjado, ao amarelo e ao branco-azulado, ao ter elevada a sua temperatura. O Sol brilha com cor amarelada, compatível com sua altíssima temperatura. Cor que está dentro da finíssima faixa do espectro eletromagnético que chamamos de luz. É nesta estreita faixa que os homens primitivos viam o Sol, a Lua, as estrelas, o azul do céu, o arco-íris, os relâmpagos, o fogo e os objetos à sua volta (durante o dia). Talvez o passo evolutivo mais importante tenha sido o controle do fogo, há pelo menos 500 mil anos atrás, possivelmente, tomando-se os galhos de uma árvore queimada numa tempestade de raios. O domínio sobre o fogo permitiu a vida em locais frios e escuros e que se adentrassem nas cavernas, além do controle sobre outros animais e de uma ampliação, sem precedentes, no cardápio. E, nas paredes dessas cavernas, esses humanos pintavam as estórias que eram contadas em sua aldeia.

Muitas noites e dias se passaram; os humanos avançaram rapidamente rumo ao desenvolvimento das civilizações. Desenvolveram a fala, a escrita, a matemática. As constelações foram desenhadas e planetas descobertos. Impérios se formaram e pirâmides foram construídas. E as primeiras especulações registradas acerca da natureza da luz foram feitas na Antiguidade pelos filósofos gregos da escola pitagórica. Para eles, não havia distinção entre a luz e a visão. Sabiam que a luz provinha de alguma fonte luminosa, como o fogo, por exemplo. E que, no escuro, próximos a uma fonte de luz, os olhos de alguns animais brilham. Concluíram, então, que haveria uma tênue chama dentro dos olhos. E que esses animais poderiam ver mais que os humanos durante a noite, por causa de sua chama ser mais intensa. Os pitagóricos defendiam a teoria de que a luz era projetada dos olhos e trazia-nos a sensação visual, tateando os objetos à nossa volta. Já Empédocles --- mais conhecido pela doutrina dos quatro elementos: água, terra, fogo e ar --- propôs que os os raios projetados pelos olhos interagissem com algo emitido pelos corpos luminosos. Além disso, ele defendia que a luz levaria um certo tempo para viajar de um ponto ao outro no espaço, propagando-se em linha reta. Mas Aristóteles tinha uma "visão" diferente: a luz, segundo ele, batia sobre os objetos, causando desgastes microscópicos na sua superfície e os minúsculos fragmentos, ao serem projetados sobre os olhos, formariam as imagens. Ademais, imaginava a existência de uma quinta essência, o éter, que permeava todo o espaço e constituía os corpos celestes com formas perfeitas. Para ele, a luz era composta por perturbações neste fluido imaterial que se propagam pelo espaço. Ou seja, Aristóteles formulou a primeira hipótese ondulatória para a luz que se tem notícia. Euclides baseado na ideia da propagação retilínea pôde demonstrar a lei da reflexão e Ptolomeu demonstrou a refração, verificando que uma moeda escondida no fundo de um copo poderia ser vista se este fosse preenchido de água.

Ibn Al-Haytham (965-1040) --- também conhecido pelo nome latinizado Alhazen, ou pelos títulos de "Ptolomeu Segundo", ou, ainda, "O Físico" --- foi um polímata árabe que iniciou a era da investigação científica da luz. Deu significativas contribuições nos campos da óptica, fisiologia da visão, astronomia, meteorologia e matemática, além do próprio método científico, por conduzir seus estudos utilizando-se da experimentação sistemática. Alhazen escreveu um tratado de 7 volumes, o Livro da Óptica, entre os anos de 1011 e 1021. Realizou diversos experimentos com lentes e espelhos para demonstrar que a luz viaja em linha reta e os fenômenos da reflexão e da refração. A câmera escura já era conhecida pelos chineses, mas a primeira análise rigorosa do dispositivo foi feita por Alhazen. Ele descreveu a estrutura do olho, o processo da visão e da formação de imagens.

A era dos telescópios na astronomia foi inaugurada pelo italiano Galileu Galilei (1564-1642). O instrumento fora inventado em 1608 por Hans Lippershey, um fabricante de óculos holandês, que montou num tubo duas lentes, produzindo um aumento de três vezes nas imagens. Galileu construiu a suas versões e, já na primeira vez, aperfeiçoou o instrumento produzindo uma ampliação de oito vezes. Mas Galileu foi o primeiro a apontá-lo para o céu e descobriu uma quantidade incontável de novas estrelas, que a superfície da Lua possuía um relevo acidentado, que o planeta Vênus apresentava fases de iluminação pelo Sol, as manchas solares e os satélites galileanos de Júpiter. Ele chegou a observar os anéis de Saturno, mas pensou que fossem satélites. Galileu publicou seus resultados em 1910 no livro Sidereus Nuncius (O Mensageiro Sideral). Suas descobertas corroboravam a hipótese do sistema heliocêntrico de Copérnico. Por suas defesas a este sistema, Galileu foi julgado pelo tribunal da inquisição, vendo-se obrigado a retirar as suas afirmações e a cumprir prisão domiciliar. Ele deu, também, importantes contribuições nas áreas da mecânica, da hidrodinâmica e da metodologia científica. Existe um relato de que Galileu procurou medir a velocidade da luz, com duas lanternas separadas por alguns quilômetros, mas, seu resultado foi infinito! A luz é tão rápida que ele não conseguia medir um intervalo de tempo tão curto.

Mais conhecido pela formulação das leis da gravitação e da dinâmica, o inglês Isaac Newton (1643-1727) também deu importantes contribuições no campo da óptica. Newton construiu o primeiro telescópio refletor (ou newtoniano) que produzia imagens muito mais nítidas ---  a geometria básica do telescópio newtoniano ainda é utilizada para a construção dos maiores e mais modernos telescópios do mundo. Propôs um mecanismo para a formação do arco-íris e mostrou que a luz branca, ao incidir em um prisma, sofre o fenômeno da dispersão, produzindo um espectro de cores parecido.  Ele realizou, ainda, o experimentum crucis (ou o experimento crucial) em que, com um sistema de dois prismas, após a dispersão, recombinou as cores produzindo novamente a luz branca. E desenvolveu um sistema utilizado na medida da curvatura de superfícies de vidro, conhecido como os anéis de Newton. Newton defendia uma teoria corpuscular para a luz; imaginava que a luz fosse composta por pequenas partículas que pulavam dos corpos iluminados e que tais partículas viajariam em linha reta. Podia, com sua teoria, dar explicações para a reflexão, a refração (imaginando que forças puxariam a luz para dentro dos dielétricos) e um mecanismo para a formação de sombras. Publicou seus trabalhos no livro Óptica de 1704.
Modelo corpuscular da luz (Newton).

Na mesma época, o holandês Christiaan Huygens (1629-1695) propôs uma teoria ondulatória: a luz é formada por ondas que propagam-se num meio muito rarefeito, denominado éter, e cada ponto da frente de uma onda efetua novas oscilações, transmitindo, subsequentemente, as perturbações (princípio de Huygens). Pôde, então, dar as suas explicações para os fenômenos da reflexão e refração e o seu  mecanismo para a formação de sombras podia ser estendido às penúmbras. Seus estudos foram publicados no livro de Tratè de la Lumière (1690). No campo da horologia, Huygens escreveu um tratado matemático sobre relógios de pêndulo, chamado Horologium Oscillatorium (1673). Dotado de melhores telescópios, Huygens descobriu que haviam, de fato, anéis em torno de Saturno.
Modelo ondulatório da luz (Huygens).


A primeira medida para a velocidade da luz foi feita em 1676 pelo astrônomo dinamarquês Ole Römer (1644-1710), observando os eclipses de Io, um dos satélites de Júpiter. Ele possuía oito anos de dados da periodicidade deste satélite e notou que os intervalos de tempo variavam em até 22 minutos, comparando-se quando a Terra se afastava com quando ela se aproximava de Júpiter. Utilizando-se das medidas que Cassini havia anunciado para a distância entre a Terra e Júpiter, calculou que a velocidade da luz deveria ser de 220 mil km/s. James Bradley (1693-1762), astrônomo inglês, efetuou a segunda medida, observando a estrela Etanin (Gama do Dragão) durante sua passagem pelo zênite de Londres. Ele notou que havia uma paralaxe de 40 segundos de arco. Posteriormente, propôs que o movimento combinado da Terra com o da luz --- como quando corremos na chuva com um guarda-chuvas --- produziria a aberração e determinou que a velocidade da luz seria de 301 mil km/s.


No século seguinte, foram realizados dois célebres experimentos em que a velocidade da luz foi medida, pioneiramente, na Terra. Ambos os autores eram franceses. O primeiro realizado em 1849 por Armand Fizeau (1819-1896) com um sistema acoplando um espelho a uma roda dentada girando a alta velocidade. A luz passava por um dos vãos da roda dentada, viajava até o espelho, era refletida e voltava pelo vão adjacente. Sabendo-se a distância até o espelho e a velocidade de rotação da roda dentada, obteve o valor de 313 300 km/s para a velocidade da luz. O segundo em 1851 por Jean-Bernard Leon Foucault (1819-1868) com um sistema de espelhos, sendo um fixo e os outros nas laterais de um prisma octogonal girando, também, a alta velocidade. Foucault obteve a velocidade da luz de 293 mil km/s.


Enquanto isso, a teoria ondulatória ganhava força, verificada numa diversidade de experimentos. Talvez o mais importante seja o realizado em 1801 por Thomas Young (1773-1829). O famoso experimento da dupla fenda, em que pôde demonstrar as interferências, construtiva e destrutiva, através das franjas formadas após a passagem da luz, concomitantemente, por duas fendas. Paralelamente, nessa época, houve um grande desenvolvimento das ciências da eletricidade e do magnetismo --- que é toda uma outra história.

Mas, no ano de 1864, o físico escocês James Clerk Maxwell (1831-1879) unificou as duas ciências. Ele manipulou as equações que descrevem as quatro leis empíricas e, após ter corrigido uma delas, mostrou que pode-se deduzir equações de onda para os campos.  As ondas eletromagnéticas são oscilações de campos elétricos e magnéticos, cuja velocidade de propagação depende apenas de duas constantes: uma da eletricidade e uma do magnetismo. Maxwell calculou a velocidade, através dos valores conhecidos para estas constantes, e notou que era muito próxima à do valor obtido pelos experimentos citados. Maxwell, então, imediatamente, concluiu que a luz é uma forma de onda eletromagnética, com uma frequência específica. Contudo, haveriam outras formas para essas ondas.

Quase dez anos após a morte de Maxwell, em 1888, o alemão Heinrich Hertz (1857-1894) as detecta pela primeira vez. Hertz montou um aparato que produzia faíscas entre dois eletrodos a uma dada frequência, fazendo o papel de transmissor e obteve num aparelho receptor as frequências emitidas pelo primeiro. Além de mostrar sua existência, Hertz verificou que a velocidade de transmissão era compatível com a das ondas eletromagnéticas e que estas sofriam os fenômenos de reflexão e refração.


Podemos dizer, então, que a luz é uma forma de onda eletromagnética, correspondente a uma fina faixa do espectro de frequências. Espectro composto por regiões de frequência que denominamos arbitrariamente de ondas longas, ondas de rádio, micro-ondas, infravermelho, luz, ultravioleta, raios-X e raios-gama --- na sequência de energias crescentes. Cada uma responsável por uma gama de fenômenos, que têm relação com os comprimentos de onda ou com as frequências (energias) das ondas eletromagnéticas. Chegamos um ponto fundamental sobre o nosso entendimento sobre a luz: sua identificação como onda eletromagnética. As consequências desta descoberta, estarei tratando em uma próxima postagem ...

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